Por Caio Chiozzi
Em 5 de janeiro de 1947, na antiga Iugoslávia, teve início a história de um dos confrontos mais tensos e pesados do futebol: o Estrela Vermelha enfrentou pela primeira vez o Partizan de Belgrado e venceu por 4x3. Porém, esta rivalidade surgiu antes de qualquer disputa futebolística.
Ambos da cidade de Belgrado, os clubes se relacionam desde as suas origens, que remontam ao período pós segunda guerra mundial. Ideologias políticas, questões étnicas, nacionalismo e paixão se transformaram nos pilares desta rivalidade.
Origem dos clubes
O Estrela Vermelha surgiu em 4 de março de 1945 e seus fundadores eram alinhados da Aliança Jovem Antifascista, que foi opositora e combatente dos regimes fascistas durante a segunda guerra. O grupo também era opositor do Exército Popular Iugoslavo (JNA), mais conhecido como Exército Vermelho, devido ao conservadorismo dos militares.
Já o Partizan foi fundado exatamente 7 meses depois, em 4 de outubro de 1945, como um time do exército. E adivinhe qual exército? O Exército Popular Iugoslavo, que na época era comandado pelo Marechal Josip Broz Tito. O time ficou vinculado às forças armadas até o fim da década de 50, o que influenciou a sua cultura com um forte caráter ultranacionalista.
Portanto, no cerne da formação de cada clube, as ideologias políticas já acirravam uma rivalidade antes mesmo das equipes entrarem em campo. Mas, o ódio e a principal divergência ainda estava por vir.
Guerra Separatista na Iugoslávia
Essa questão política e ideológica se intensificou durante a Guerra Civil na Iugoslávia. Com o fim da União Soviética, os países que eram financiados pela ex-URSS começaram a entrar em crise, tanto econômica como de recursos humanitários (insumos farmacêuticos, alimentos e etc).
Essa crise gerou problemas sociais e as diferenças étnicas começaram a aparecer de maneira xenófoba dentro do território iugoslavo. Logo, acirraram-se as tensões sociais no território, onde antes, com o aporte econômico da URSS, elas não eram visíveis.
Os torcedores e adeptos do Estrela Vermelha estavam alinhados a favor da separação do território Sérvio e da formação dos demais países com suas respectivas etnias. Enquanto os torcedores e adeptos do Partizan, devido a sua origem militar, não eram a favor da separação e sim da manutenção da Iugoslávia.
Em 1989, alguns torcedores mais fanáticos do Estrela, chamados de “Delje” (Heróis, em português), formaram um grupo paramilitar para lutar na guerra separatista, que teve início em 1992. Segundo registros históricos, o fundador dos Delje é Zeljko Raznatovic, mais conhecido como “Arkan”, membro da Polícia Secreta Sérvia.
Durante as batalhas, os paramilitares da torcida do Estrela entraram em conflito com os militares da torcida do Partizan e promoveram massacres contra bósnios, kosovares, macedônios e, principalmente, croatas que viviam na região.
O resultado dessa guerra foi a fragmentação da antiga Iugoslávia em meados dos anos 90, dando origem a vários países como Sérvia, Croácia, Macedônia, Bósnia, Kosovo entre outros.
Com a vitória dos movimentos separatistas, o Estrela Vermelha ganhou o apelido de “Heróis”, enquanto que o Partizan é chamado de Grobari (Coveiros, em português), em alusão as suas cores preta e branca (além da questão das mortes e torturas provocadas pelos militares).
Essa divergência ideológica, que iniciou-se na fundação das equipes, foi acirrada durante os confrontos separatistas e levada para o âmbito futebolístico, aumentando as tensões e o ódio entre os clubes dentro de campo.
O clima do estádio durante os derbys é de uma verdadeira guerra, com 22 soldados dentro de um campo de batalha lutando para ocupar o território inimigo e castigar sua fortaleza (o gol).
O caso do brasileiro Cléo
Para exemplificar o quanto essa rivalidade é refletida dentro de campo, podemos citar o caso do atacante brasileiro Cléo (Cléverson Gabriel Córdova)一 o primeiro estrangeiro a jogar nas duas equipes de Belgrado.
Em 2008, o atleta foi emprestado pelo Olivas de Portugal para o Estrela Vermelha e na temporada seguinte foi contratado pelo Partizan. Em reportagem ao Esporte Espetacular em 2009, Cléo contou que durante uma conversa entre integrantes da torcida e os jogadores, após o desempenho ruim na temporada 2008/2009, alguns torcedores chegaram a agredir alguns atletas.
Devido a essa pressão e a falta de dinheiro do time sérvio para contratá-lo em definitivo, Cléo decidiu assinar com o Partizan para a temporada seguinte. Contudo, o brasileiro disse que sofreu ameaças de morte e que evitava sair de casa (principalmente quando o derby se aproximava) para a segurança dele e da família.
Essa situação se tornou ainda mais conturbada quando o atacante disputou o seu primeiro derby com a camisa dos Coveiros que, por acaso, foi no estádio dos Heróis. Ele fez o gol da vitória e, durante a comemoração, cadeiras, sinalizadores e outros objetos foram atirados na sua direção.
Entretanto, a própria torcida do Partizan também não confiava plenamente no brasileiro, justamente por ele ter jogado no arquirrival. Cléo precisou conquistar o “carinho” da torcida por meio de suas atuações dentro de campo. E, de certo modo, o brasileiro conseguiu. Ele jogou as temporadas de 2009/2010 e 2010/2011 e marcou 38 gols em 51 jogos, média de 0,74 gols por partida.
Sem sombra de dúvidas, a rivalidade entre Heróis e Coveiros é uma das maiores, se não a maior, entre clubes do mundo. Já são 76 anos de rivalidade, mas não adianta ficar contando, pois ela é e continuará sendo eterna.